Sororidade na Prática
- Alessandra Vidmontas

- 28 de ago.
- 4 min de leitura

“Seja você a mulher que gostaria de ter ao seu lado quando era uma menina”. Se alguém descobrir a autoria dessa brilhante frase, por favor, me avise. Para mim, ela expressa com clareza o verdadeiro significado da sororidade. Primeiro, porque nos convida à ação: Seja você! Segundo, porque desperta, ao mesmo tempo, delicadeza, força e cuidado.
De forma simples, sororidade é o compromisso entre mulheres que se apoiam mutuamente. Esse conceito tem sido cada vez mais discutido na atualidade, resultado de décadas de mobilização por igualdade de direitos. Nesses oito anos atuando diretamente nessa área, percebi o surgimento desse tema em diferentes contextos. Assim como acontece com outras palavras amplamente divulgadas, como empatia e vulnerabilidade, a sororidade também ganhou espaço — o que é positivo, mas também pede responsabilidade. Muitos coletivos e movimentos têm adotado o termo com profundidade e coerência, mas também se observa, em alguns casos, o uso superficial: discursos bonitos, porém desconectados da prática e conceitos distantes da realidade cotidiana.
Diante disso, temos desenvolvido um movimento chamado Sororidade na Prática, que propõe exatamente isso: transformar em atitude concreta o apoio entre as mulheres.
Há uma canção chamada A Começar em Mim que, com sensibilidade, convida cada pessoa a iniciar pelo próprio coração a transformação que deseja ver no mundo. Pode parecer óbvio, não é? Mas, então, por que estamos presenciando o enfraquecimento de tantos vínculos? Por que escasseiam as demonstrações públicas de acolhimento e cuidado? Por onde começar, senão por nós mesmas?
Muitas vezes, depositamos no outro ou na sociedade a responsabilidade pela mudança. Ficamos à espera de dias melhores, de relações mais justas, de um mundo mais solidário. Sem reforçar divisões ou rótulos com base em gênero, raça ou classe, mas compreendendo que o olhar social ainda carrega desigualdades estruturais, é importante esclarecer que falar de sororidade não significa excluir ou segmentar relações, mas sim valorizar a empatia que surge entre pessoas que compartilham vivências similares — no caso, as experiências marcadas pela condição de ser mulher em uma sociedade que ainda carrega desigualdades
de gênero.
Incentivar mulheres a apoiarem outras mulheres é uma forma de promover engajamento real — não apenas simbólico ou midiático — na luta pela superação da violência e da desigualdade. Como mencionei antes, o ponto de partida é sempre interno. Começa em
mim.
Lembro-me de uma situação que testou essa convicção. Estava em um momento tranquilo da minha semana quando recebi uma mensagem pela rede social. Meu perfil estava fechado desde que enfrentei uma relação abusiva, como forma de me proteger. No entanto, decidi reabri-lo para participar de um sorteio. Lembro-me de torcer para não receber mensagens indesejadas — e, de fato, isso não aconteceu. Quer dizer... quase.
Quem entrou em contato foi, na época, a parceira do meu ex. Senti um frio na barriga ao ler a mensagem:
"Oi, Alessandra. Tenho tentado falar com você há algum tempo, mas não consegui. Sou namorada do seu ex e preciso muito conversar. Você poderia me atender?"
A primeira reação foi de recuo. Pensei em recusar — afinal, reviver certas lembranças poderia ser doloroso. Mas logo fui tomada por um senso de responsabilidade. Pensei no trabalho que realizo e percebi o quanto seria incoerente negar apoio justamente em um momento como aquele.
Conversamos por mais de duas horas. Ouvi o relato de uma mulher que estava enfrentando situações parecidas com as que, um dia, também enfrentei. Escutei, acolhi, compartilhei reflexões e busquei empoderá-la para que pudesse tomar, de forma autônoma, a decisão que julgasse melhor. Ao final, ela me agradeceu emocionada e garantiu que manteria aquela conversa em sigilo.
Eu poderia ter negado esse encontro. Poderia ter pensado que não era problema meu. E, de certa forma, não era mesmo. Reabrir feridas não é algo simples. Mas, ao final daquela
conversa, senti que havia colaborado com algo maior. Senti gratidão por ter podido apoiar outra mulher em um momento crucial de sua vida.
Me lembrei ainda da jornada de escrita do nosso livro, Rosas e Espinhos - Mulheres que Ressignificaram as suas histórias, e percebi outra vez a sororidade expressa por meio das autoras convidadas, minhas amigas, que voluntariamente cederam suas vivências, conhecimento e tempo para construir um material que tem como principal objetivo apoiar mulheres que estão passando ou passaram por situação de violência.
Oferecer apoio genuíno a outra mulher nem sempre será confortável ou fácil. É um caminho que exige escuta, empatia, paciência e disposição para não julgar. Requer tempo, energia, sensibilidade, conhecimento e, sobretudo, amor. O objetivo deve ser apoiar sem se sobrecarregar e permitir ser apoiada sem se anular, construindo relações baseadas na confiança, autonomia e crescimento mútuo.
Quem oferece ajuda e quem a recebe têm o mesmo valor. Reconhecer isso é o que transforma vínculos em espaços de respeito e potência.
Seja você, hoje e todos os dias, de forma prática, a mulher que você gostaria de ter ao seu lado quando era uma menina.

Texto escrito por Alessandra Vidmontas, Diretora Executiva e Cofundadora da Beleza Escondida



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